Oxum: a deusa das águas doces

Saiba tudo sobre Oxum a entidade feminina entitulada como a deusa das águas doces

A religiosidade brasileira é um reflexo vibrante da diversidade cultural que compõe o país. No cruzamento entre tradições africanas e o catolicismo europeu, nasceu o sincretismo religioso — uma forma de preservar a fé diante da opressão.

Entre os nomes mais doces e poderosos dessa religiosidade está Oxum, orixá das águas doces, do amor, da fertilidade e da riqueza.

No sincretismo, essa figura de luz e cuidado é comumente associada à Nossa Senhora das Candeias, uma das manifestações marianas celebradas com fervor no Brasil.

Mas o que une uma divindade africana das águas doces e uma santa católica que carrega uma vela na mão?

Neste artigo, vamos explorar a origem e os atributos de Oxum, entender o contexto do sincretismo religioso e mergulhar na delicada, porém forte, conexão entre essas duas figuras femininas que representam o acolhimento, a sabedoria e a esperança.

Quem é Oxum nas religiões afro-brasileiras?

Google imagens: Oxum

Oxum é uma das principais orixás do panteão iorubá, trazida para o Brasil durante o período da escravidão por povos originários da atual Nigéria e região do Benin. No Candomblé e na Umbanda, ela é reconhecida como a senhora dos rios e cachoeiras, das águas doces que alimentam a terra e dão origem à vida.

É considerada o orixá do amor, da beleza, da fertilidade, do ouro e da maternidade. Sua energia está ligada ao feminino em sua forma mais ampla — do encanto da sedução à força geradora da criação. Ao mesmo tempo que é doce e vaidosa, Oxum é firme, estratégica e poderosa.

Oxum também é conhecida por sua inteligência emocional. Diz a tradição que ela foi a única capaz de convencer Exu a permitir que os orixás levassem mensagens ao mundo dos homens. Com charme e sabedoria, ela conseguiu destravar os caminhos e garantiu a comunicação entre os mundos espiritual e material.

Oxum na natureza e na vida cotidiana

Oxum habita rios, lagos e cachoeiras. Em muitas casas de axé, seus rituais são realizados próximos a esses corpos d’água, onde os devotos deixam oferendas como flores, mel, frutas doces, espelhos, perfumes e joias douradas.

As cores associadas a Oxum são o amarelo e o dourado, remetendo ao ouro e à luz. Seus símbolos incluem o leque, o espelho e o abebé (espécie de leque ritualístico em forma de círculo), todos representações da feminilidade, da vaidade sagrada e do autoconhecimento.

Oxum também está diretamente relacionada à fertilidade e à maternidade. Mulheres que desejam engravidar, por exemplo, costumam pedir a sua proteção e intercessão. Em terreiros, é comum ouvir histórias de mães que, após rezarem e ofertarem à Oxum, conseguiram realizar o sonho de gerar uma criança.

O sincretismo religioso: origem e resistência

O sincretismo religioso é um fenômeno típico do Brasil colonial, quando povos africanos foram trazidos à força como escravizados e, proibidos de praticar sua fé, passaram a associar seus orixás aos santos católicos — não por considerá-los iguais, mas como uma forma de preservar suas crenças sob o disfarce do catolicismo imposto.

Esse processo não foi homogêneo. A associação entre orixás e santos variou de acordo com a região, o culto local, a tradição do terreiro e até mesmo a percepção individual dos devotos. No entanto, a lógica por trás do sincretismo era quase sempre simbólica: buscava-se um santo cujos atributos pudessem, de alguma forma, refletir os de determinado orixá.

Com isso, Oxum passou a ser associada a várias figuras femininas do catolicismo, entre elas Nossa Senhora Aparecida e, de maneira menos conhecida, mas igualmente significativa, Nossa Senhora das Candeias.

Quem é Nossa Senhora das Candeias?

Nossa Senhora das Candeias, também conhecida como Nossa Senhora da Luz ou Nossa Senhora da Purificação, é uma invocação de Maria, mãe de Jesus, celebrada tradicionalmente no dia 2 de fevereiro. Essa data tem origem em um episódio bíblico: a apresentação de Jesus no templo, quando Maria leva o filho para ser consagrado e, segundo a tradição judaica, se purifica após o parto.

Essa celebração é marcada por velas e luzes, daí o nome “Candeias” (de “candeia”, sinônimo de lamparina). Em muitos locais do Brasil, fiéis participam de procissões noturnas com velas acesas, pedindo proteção, luz e renovação espiritual.

A imagem de Nossa Senhora das Candeias costuma ser serena, materna, com uma vela ou candeia em uma das mãos, representando a luz divina. Sua figura está profundamente ligada à pureza, à maternidade e à esperança — elementos que ecoam com força na imagem de Oxum.

A associação entre Oxum e Nossa Senhora das Candeias

A ligação simbólica entre Oxum e Nossa Senhora das Candeias nasce principalmente da data de comemoração: o dia 2 de fevereiro. Nessa data, diversos terreiros em todo o Brasil — especialmente na Bahia — realizam festas em honra a Oxum (e também a Iemanjá), que coincidem com as procissões católicas em homenagem à santa.

Além disso, ambas compartilham atributos comuns: são mães, protetoras, cuidadoras. São figuras femininas que representam o amor incondicional, a luz interior, a fertilidade e a beleza espiritual.

Oxum e Nossa Senhora das Candeias são vistas como fontes de proteção para as mulheres, especialmente aquelas que enfrentam desafios na gestação, no parto ou na criação dos filhos. Em muitas rezas populares, o nome de uma é evocado junto com o da outra, demonstrando como o sincretismo vai além da teoria — ele é vivido no cotidiano, na fé simples e profunda do povo brasileiro.

A força da fé no sincretismo

Quando uma devota acende uma vela para Nossa Senhora das Candeias e deposita flores no rio para Oxum, ela não está dividindo sua fé, mas ampliando sua espiritualidade. O sincretismo não é uma mistura confusa, como alguns acreditam, mas uma forma de expressar a pluralidade do sagrado.

Essa prática também demonstra a criatividade religiosa e a resistência cultural dos povos afrodescendentes no Brasil. Em vez de abandonarem sua fé ancestral, encontraram maneiras de preservá-la, ainda que sob os olhos inquisidores do poder dominante.

Nos terreiros de Candomblé, especialmente os da nação Ketu, Oxum é celebrada com cânticos doces, danças elegantes e oferendas caprichadas. Ao mesmo tempo, igrejas dedicadas à Nossa Senhora das Candeias realizam missas e procissões com intensa devoção popular. Em muitas comunidades, essas manifestações coexistem, compartilham espaço e até mesmo se fundem em rituais comuns.

A festa de 2 de fevereiro: fé nas águas

O dia 2 de fevereiro é uma das datas mais emblemáticas do calendário espiritual do Brasil. Em Salvador, por exemplo, milhares de pessoas se reúnem na orla do Rio Vermelho para homenagear Iemanjá, mas há também devotos que aproveitam a data para render homenagens a Oxum — principalmente em terreiros mais ligados ao culto das águas doces.

Nessa ocasião, é comum ver pessoas vestidas de amarelo (cor de Oxum), levando flores e presentes para os rios. A fé se manifesta em orações, cânticos e gestos simbólicos de agradecimento ou pedidos. Muitos ainda combinam isso com a participação em missas dedicadas à Nossa Senhora das Candeias, mostrando como o sincretismo é vivido de forma natural e harmoniosa.

Oxum na Umbanda

Na Umbanda, Oxum também tem um papel de destaque, sendo considerada uma entidade de energia feminina pura, ligada ao amor, ao equilíbrio emocional e à maternidade. Ela atua muitas vezes nas linhas do amor e da cura, ajudando aqueles que enfrentam mágoas, tristezas ou desequilíbrios afetivos.

Seus médiuns geralmente relatam manifestações suaves, com mensagens de acolhimento e conselhos sobre autoestima, perdão e recomeço. A figura de Oxum, na Umbanda, é profundamente amorosa — quase sempre descrita como uma mãe ou irmã que orienta com ternura, mas também com firmeza quando necessário.

Considerações finais

A conexão entre Oxum e Nossa Senhora das Candeias revela a riqueza da espiritualidade brasileira, em que o sagrado se apresenta em múltiplas formas, mas com a mesma essência: amor, cuidado e fé.

Enquanto Oxum reina sobre os rios e sobre os corações, Nossa Senhora das Candeias ilumina os caminhos com sua vela acesa. Juntas, elas representam a força da mulher, a beleza da esperança e a luz que guia mesmo nos momentos mais escuros.

Entender esse sincretismo é mais do que estudar religiões — é compreender a alma de um povo que, mesmo sob dor e repressão, nunca deixou de acreditar, de rezar e de buscar força no divino.

Quer saber mais? Veja o vídeo abaixo:

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