Dentro das religiões de matriz africana como o Candomblé e a Umbanda, o ato de ofertar alimentos, flores, espelhos e outros elementos aos orixás é mais do que um gesto simbólico — é uma forma profunda de conexão espiritual.
Esses presentes não são aleatórios: cada item carrega significados ancestrais, energias específicas e formas sutis de comunicação entre o mundo humano e o espiritual.
Mas, afinal, por que se oferece comida aos orixás? Por que certas flores são escolhidas com tanto cuidado? Qual o sentido de um espelho em um ritual?
Neste artigo, vamos mergulhar nas oferendas feitas aos orixás, entendendo seus valores rituais, espirituais e simbólicos, além dos cuidados e da forma correta de ofertá-las com respeito e consciência.
O que são oferendas e por que são feitas?
As oferendas aos orixás são presentes sagrados. Elas funcionam como meios de agradecimento, pedido, equilíbrio energético ou celebração. Cada elemento ofertado — seja um prato de comida, uma flor ou um objeto simbólico — carrega consigo uma vibração e uma intenção.
Nas tradições afro-brasileiras, acredita-se que os orixás respondem por meio da energia contida nas coisas da natureza. Por isso, ao se oferecer um alimento ou flor que represente a força de determinado orixá, está-se falando com ele de forma direta, mas respeitosa e simbólica.
Mais do que agradar ou “comprar” favores, as oferendas são gestos de comunhão, reverência e troca de axé (energia vital). São momentos em que o humano se coloca diante do divino com humildade, oferecendo o melhor que pode, com sinceridade de coração.
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Oferendas de comidas: cada orixá com seu gosto
Os alimentos ocupam um papel central nas oferendas afro-brasileiras. Cada orixá tem suas preferências específicas, com pratos que remetem à sua história, sua energia e sua atuação no mundo. A seguir, destacamos alguns exemplos de comidas mais comuns e seus significados:
● Feijão fradinho (Obaluaê, Oxóssi, Ogum)
O feijão fradinho é um dos alimentos mais sagrados, presente em oferendas de orixás ligados à natureza, à saúde e à fartura. Simboliza resistência e simplicidade.
● Pipoca estourada (Obaluaê e Omolu)
Representa transformação e limpeza espiritual. É comum ser usada em rituais de purificação.
● Acarajé (Iansã)
Bolinhos de feijão-fradinho fritos no azeite de dendê, símbolo de coragem, força e conexão com o fogo.
● Amalá (Xangô)
Prato feito com quiabos, azeite de dendê e, em alguns casos, pedaços de carne. Está ligado ao fogo, à justiça e ao poder de Xangô.
● Canjica branca (Oxalá)
Simboliza a paz, a pureza e a criação. É servida com coco ralado e açúcar, e oferecida com reverência.
● Inhame (Nanã, Obaluaê)
Ligado à fertilidade, ao ciclo da vida e à ancestralidade.
● Frutas doces (Oxum, Iemanjá)
Frutas como banana, maçã, mamão e pêra são comuns em oferendas para orixás femininos ligados à água, ao amor e à maternidade.
Cada alimento deve ser preparado com cuidado, respeito e intenção. Muitas vezes, não se usa sal ou condimentos comuns. A preparação pode ser acompanhada de cânticos, orações e silêncio, dependendo do orixá em questão.
Flores: cores e perfumes que comunicam com os orixás
As flores são outro elemento muito presente nas oferendas. Elas trazem beleza, perfume, leveza e uma energia sutil, conectada à natureza e ao afeto. Cada orixá possui flores preferidas, geralmente relacionadas às suas cores, símbolos ou energia predominante.
Veja alguns exemplos:
● Oxum – Rosas amarelas
A deusa das águas doces e do amor é agradada com flores delicadas e douradas. As rosas amarelas simbolizam beleza, vaidade sagrada e doçura.
● Iemanjá – Flores brancas
A rainha do mar recebe flores como lírios, rosas brancas e cravos claros. Elas são ofertadas em balaios ou jogadas no mar com muito respeito.
● Iansã – Rosas vermelhas e flores vibrantes
A senhora dos ventos e tempestades prefere flores marcantes, como rosas vermelhas, hibiscos e girassóis.
● Oxalá – Flores brancas e singelas
As flores de Oxalá são geralmente discretas: copos-de-leite, margaridas e flores do campo claras. A simplicidade é essencial.
● Nanã – Flores roxas e lilases
Ela prefere flores como violetas, lavandas e hortênsias em tons suaves. Essas flores representam o mistério, o recolhimento e a sabedoria.
● Ogum – Flores vermelhas e brancas
Geralmente cravos, espadas-de-são-jorge e outras plantas de força.
As flores podem ser colocadas diretamente sobre a terra, em balaios, vasos ou junto aos pratos de comida. Importante: não se deve usar flores de plástico ou artificial — apenas naturais, por respeito ao princípio da conexão com a natureza viva.
Espelhos: símbolo de beleza, reflexo e conexão
O uso de espelhos em oferendas não é tão amplamente conhecido por todos, mas tem um significado profundo. O espelho é mais comumente associado à orixá Oxum, deusa das águas doces, do amor-próprio, da sedução e da feminilidade. Mas seu uso pode aparecer em rituais que envolvam:
- Reflexão interna
- Autoaceitação
- Conexão espiritual com a essência divina
Oxum é frequentemente representada com um espelho na mão, contemplando sua imagem. Mas, no simbolismo afro-religioso, o espelho vai além da vaidade: ele representa a necessidade de olhar para si, de entender a própria alma e enxergar a verdade.
Ao se oferecer um espelho, o devoto não está oferecendo apenas um objeto físico, mas uma janela entre mundos, um instrumento de introspecção, brilho e comunicação com a essência divina da orixá.
Como preparar uma oferenda com respeito
Preparar uma oferenda para um orixá é um momento sagrado. Exige cuidado, limpeza e intenção clara. Aqui estão alguns passos e recomendações importantes:
- Escolha o local com sabedoria
Alguns orixás preferem matas, outros pedreiras, rios ou o mar. Respeite esses espaços e não polua o ambiente. - Prepare os alimentos com calma
Faça tudo com as mãos limpas e evite conversar assuntos triviais durante o preparo. Em alguns casos, a comida é feita em silêncio absoluto. - Monte a oferenda com carinho
Use cestos, folhas de bananeira, panos limpos. Posicione os itens com organização e beleza. - Acenda velas com cuidado
Se for permitido no local, acenda velas nas cores correspondentes ao orixá. Sempre fique atento para não causar incêndios. - Reze, cante ou fique em silêncio
Converse com o orixá. Pode ser com rezas tradicionais, cânticos ou um momento de silêncio profundo. O que importa é a intenção verdadeira. - Não abandone lixo
Leve de volta plásticos, sacolas, papéis e o que mais tiver sido usado no transporte. Respeito à natureza é parte do ritual.
Oferenda é devoção, não barganha
É muito importante lembrar: oferenda não é pagamento ou barganha. É uma forma de comunicação com o sagrado, um ato de entrega. Fazer uma oferenda esperando receber algo em troca de forma automática pode esvaziar o sentido espiritual da prática.
Os orixás não são entidades que “negociam favores” — eles respondem ao axé, à energia colocada com verdade. Às vezes, uma simples flor entregue com amor tem mais força do que uma cesta cheia de itens feita de forma vazia.
Oferendas no dia a dia: devoção viva
Nem sempre é necessário um grande ritual para fazer uma oferenda. Muitos devotos oferecem um copo de água fresca, uma flor colhida no caminho ou uma vela acesa com fé. O importante é a conexão, o momento de se voltar para o espiritual com reverência.
Alguns exemplos simples:
- Uma rosa amarela colocada às margens de um rio, para Oxum.
- Um prato de pipoca estourada com devoção, para Obaluaê.
- Um pequeno espelho limpo ao lado de uma vela, em homenagem à beleza e à luz de um orixá.
- Um inhame cozido em agradecimento à proteção de Nanã.
Esses gestos, mesmo simples, têm grande valor no universo espiritual.
Considerações finais
As oferendas de comida, flores e espelhos aos orixás são expressões vivas de fé, respeito e conexão com o divino. Mais do que tradições religiosas, são atos de amor ancestral, transmitidos de geração em geração e praticados com o coração.
Cada orixá tem seus gostos, cores, símbolos e formas de receber axé. Mas todos respondem à sinceridade. Em tempos em que o mundo parece acelerado e desconectado da espiritualidade, preparar uma oferenda pode ser um ato de pausa, de entrega e de reencontro com o que é sagrado.
O orixá que recebe uma flor, uma vela ou um alimento preparado com intenção sente esse gesto como uma ponte. E nessa ponte, caminham juntos quem oferece e quem cuida. Porque fé é isso: um diálogo entre mundos, onde o humano se encontra com o divino em forma de flor, sabor, silêncio e luz.
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