Na mistura única de culturas que formam o Brasil, poucos símbolos espirituais são tão fortes e marcantes quanto a imagem do guerreiro de armadura, espada em punho, montado em um cavalo branco e enfrentando um dragão.
Para os católicos, essa figura é São Jorge, o santo soldado. Para os praticantes das religiões afro-brasileiras, trata-se de Ogum, o orixá da guerra, do ferro e do trabalho.
Mais do que um sincretismo religioso, a ligação entre Ogum e São Jorge é um reflexo da fé do povo brasileiro: resiliente, corajosa e moldada na resistência.
Neste artigo, vamos explorar a trajetória de Ogum dentro das religiões de matriz africana, como ele foi associado a São Jorge, e por que até hoje é tão amado e reverenciado em todas as camadas da sociedade.
Quem é Ogum nas religiões afro-brasileiras?

Ogum é um dos orixás mais importantes do panteão iorubá, culto trazido ao Brasil por povos da África Ocidental — principalmente da atual Nigéria, Togo e Benim — durante o período da escravidão. É o orixá do ferro, da guerra, das estradas, da tecnologia e do trabalho. Ele representa a coragem, a força física e a ação direta.
Na mitologia, Ogum foi o primeiro a dominar o ferro e transformá-lo em ferramentas e armas. Por isso, é o patrono dos ferreiros, dos guerreiros, dos agricultores e, por extensão moderna, dos engenheiros, mecânicos e até motoristas. Qualquer profissão ligada a máquinas, ferramentas ou caminhos tem sua proteção.
Ele também é o orixá que abre os caminhos com luta, ao contrário de Exu, que os abre com astúcia. Quando a situação exige esforço, suor e bravura, é Ogum quem responde. Sua presença é marcante nos momentos de conflito, nos pedidos por força para enfrentar adversidades e nas causas de justiça.
Características e simbologia de Ogum
Ogum é representado como um homem forte, determinado, com uma espada ou faca de ferro nas mãos. Em algumas tradições, também aparece montado a cavalo, reforçando sua imagem guerreira.
Seu dia da semana é terça-feira, e suas cores tradicionais são o azul escuro, o verde e o vermelho — dependendo da linha religiosa. Seus elementos são o ferro, o fogo e as estradas. Entre seus símbolos, estão:
- Espada ou sabre de ferro
- Facão
- Corrente
- Ferramentas de metal
É cultuado com oferendas de feijão preto, cerveja, inhame, dendê e outros alimentos fortes, normalmente depositados em locais próximos à natureza, como matas e encruzilhadas.
Ogum no Brasil: do Candomblé à Umbanda
Nas casas de Candomblé, especialmente nas nações Ketu, Angola e Jeje, Ogum é reverenciado com cânticos, danças de espada e rituais de fogo. É visto como um orixá direto, sério, que exige respeito e disciplina.
Na Umbanda, Ogum também tem um papel essencial. Ele lidera uma das linhas de trabalho espiritual mais atuantes, conhecida por sua energia vibrante e combativa. Os médiuns que recebem Ogum geralmente relatam uma presença forte, firme, que chega com palavras simples e diretas, sempre pronto para “batalhar pelo filho”.
É comum ouvir: “Ogum não foge à luta”. E essa frase resume bem o espírito do orixá — ele não desiste, não recua, não abandona.
O sincretismo com São Jorge: como surgiu?
Durante o período colonial, os povos africanos escravizados foram proibidos de cultuar seus orixás. Como forma de resistência, passaram a sincretizar as divindades africanas com santos católicos, criando paralelos simbólicos entre eles.
No caso de Ogum, a associação mais comum — especialmente no Rio de Janeiro — é com São Jorge, o santo guerreiro. Ambos são figuras que representam a luta, a espada, a proteção e a bravura. A imagem de São Jorge enfrentando o dragão rapidamente se conectou com a figura de Ogum, aquele que corta as demandas e enfrenta os inimigos espirituais.
Essa ligação se enraizou profundamente na cultura popular, a ponto de muitos devotos não saberem exatamente onde termina um e começa o outro — e, para muitos, isso pouco importa. O que vale é a fé.
Quem é São Jorge?

São Jorge foi um soldado romano que viveu entre os séculos III e IV. De acordo com a tradição cristã, ele foi perseguido por se recusar a renunciar à fé cristã e acabou martirizado. Sua lenda mais conhecida é a do combate contra um dragão, que aterrorizava uma cidade e só se acalmava quando recebia sacrifícios humanos.
Na história, Jorge enfrenta o monstro montado em seu cavalo branco, armado com uma lança, e salva a princesa que seria oferecida como vítima. Por isso, é visto como protetor dos fracos, dos injustiçados e dos que precisam de força para vencer batalhas difíceis.
É padroeiro de vários países e cidades, incluindo a Inglaterra, a Catalunha e o Estado do Rio de Janeiro. No Brasil, sua devoção ultrapassa barreiras religiosas, sendo cultuado por católicos, umbandistas e até pessoas que não seguem uma religião específica, mas acreditam em sua força.
A popularidade de São Jorge no Brasil
O dia de São Jorge é comemorado em 23 de abril, data que se tornou feriado oficial no estado do Rio de Janeiro. Nesse dia, é comum ver filas enormes em igrejas, terreiros e casas de oração, com fiéis vestindo branco ou vermelho, levando espadas, imagens do santo e oferendas.
A figura de São Jorge, muitas vezes, carrega uma dupla identidade: para uns, é o cavaleiro cristão; para outros, é o orixá africano. E para muitos, ele é os dois — um símbolo de luta, fé e proteção espiritual.
Ogum e São Jorge: dois nomes, uma mesma força
O sincretismo entre Ogum e São Jorge não significa que sejam exatamente a mesma entidade. Eles têm origens, histórias e contextos diferentes. Mas, para os devotos, a força espiritual que ambos representam é a mesma: coragem diante da injustiça, proteção contra o mal, e ação diante da dificuldade.
Nos terreiros de Umbanda, é comum que as giras de Ogum aconteçam no dia de São Jorge. As pessoas levam espadas simbólicas, acendem velas vermelhas, fazem pedidos por emprego, por coragem, por justiça. A espiritualidade se expressa ali de forma viva e poderosa.
Rituais e oferendas
As oferendas para Ogum costumam ser deixadas em encruzilhadas, trilhas, beiras de estrada ou matas abertas. Alguns dos itens mais tradicionais são:
- Feijão preto sem sal
- Azeite de dendê
- Cerveja clara
- Espadas pequenas de ferro
- Charutos
- Velas vermelhas ou azuis
Já as homenagens a São Jorge incluem missas, novenas, procissões e promessas, como andar de branco, tocar sino, carregar espada ou fazer peregrinações a igrejas dedicadas a ele, como a famosa Igreja de São Jorge em Quintino, no Rio de Janeiro.
Em muitas casas, os dois rituais se encontram: é comum que um devoto ofereça a comida de Ogum e vá à missa de São Jorge no mesmo dia, em total harmonia espiritual.
Rituais e oferendas
As oferendas para Ogum costumam ser deixadas em encruzilhadas, trilhas, beiras de estrada ou matas abertas. Alguns dos itens mais tradicionais são:
- Feijão preto sem sal
- Azeite de dendê
- Cerveja clara
- Espadas pequenas de ferro
- Charutos
- Velas vermelhas ou azuis
Já as homenagens a São Jorge incluem missas, novenas, procissões e promessas, como andar de branco, tocar sino, carregar espada ou fazer peregrinações a igrejas dedicadas a ele, como a famosa Igreja de São Jorge em Quintino, no Rio de Janeiro.
Em muitas casas, os dois rituais se encontram: é comum que um devoto ofereça a comida de Ogum e vá à missa de São Jorge no mesmo dia, em total harmonia espiritual.
Considerações finais
Ogum e São Jorge, cada um à sua maneira, ensinam que a fé é uma forma de lutar. Quando as palavras não bastam, quando a situação parece insustentável, é nessa fé que muitos encontram força para continuar.
No Brasil, onde as raízes africanas se misturaram com o catolicismo de forma única, a fusão entre esses dois guerreiros espirituais representa mais do que uma crença — representa a coragem do povo que resiste, que trabalha, que batalha por dias melhores.
Enquanto houver alguém acendendo uma vela, vestindo branco em 23 de abril, batendo tambor para abrir caminhos ou pedindo proteção ao guerreiro, Ogum continuará vivo. E com ele, a esperança de que nenhuma luta é em vão.
Veja também: